A REGRA DO JOGO, lançado em 39, teve uma recepção horrenda. Foi atacado pela crítica e pelo governo francês, depois acabou sendo atacado pelos nazistas durante a ocupação, teve várias cópias queimadas e foi dado como perdido. Uma cópia foi encontrada em 1956, quase completa – com apenas uma cena faltando – e o filme renasceu. Sua importância histórica e técnica foram reconhecidos. Passou a figurar em diferentes listas de melhores e mais importantes filmes da história.
Talvez para um espectador contemporâneo seja difícil entender porquê. Para entender a importância é preciso sair do filme, e olhá-lo de forma distante em seus mecanismos, não em sua história em si. A bagunça orquestrada por Jean Renoir estabelece em sua construção estética o discurso narrativo que satiriza a sociedade burguesa da França, a partir das relações entre e inter classes sociais expostas em um fim de semana numa mansão.
Seus personagens ricos falam de assuntos triviais e amorosos de forma enfadonha, como se a própria vida fosse um tédio e os dias uma mera formalidade morosa – um modo de vida sustentada por quem está abaixo na escala social, que vive sua vida nos andares inferiores e bate estacas nas árvores para espantar os coelhos para que seus senhores os possam matar num espetáculo grotesco de caçada. A esposa e a amante trocando reclamações sobre os hábitos irritantes do homem rico que compartilham, enquanto o marido traído que havia batido no amante, minutos depois, lhe oferece um drinque e lhe pede desculpas. A trivialidade das relações, o conformismo e a inevitabilidade de certos desfechos são sublinhados pela assustadora normalidade das reações a uma tragédia, bem como pelo constante modificar de sentimentos da protagonista, Christine, que nunca sabe exatamente o que sente.
A REGRA DO JOGO encena esses muitos jogos de diálogos e traições amorosas em longos planos e encenações em profundidade. Em um só plano, muitas coisas podem acontecer – no primeiro plano, ao meio, ao fundo, entrando e saindo de quadro. Provoca a constante mudança do nosso olhar esguio, perdido de canto a canto do quadro.
A trilha dos espetáculos teatrais improvisados na mansão embalam os dissabores que acontecem nos corredores e salas da mansão com seus muitos desencontros, onde Renoir estabelece interessantes usos do som como elemento de ligação entre essas muitas histórias.
É compreensível que A REGRA DO JOGO seja um filme difícil para o público de hoje, desacostumado a perceber o valor de uma obra dentro do contexto evolutivo da arte que ela representa. Não que faça muita diferença para o filme de Renoir, que já estabeleceu sua importância, ainda que, cada vez mais, menos pessoas o conheçam ou entendam sua importância.