A passagem do tempo oprimindo uma lenda, e como o peso da idade e do tempo se reflete na construção do mito. Ao mesmo tempo que temos o tom farsesco típico dos filmes de Richard Lester, temos a melancolia que acompanha a construção visual do universo em que se passa a história de Robin, 20 anos depois dos acontecimentos que a clássica obra da literatura inglesa tornaram populares no mundo inteiro.
No filme de Lester, em oposição à alegria de saltimbancos coloridos eternizados por Fairbanks e Flynn, temos as cores pálidas e a sujeira de um realismo que se expressa até mesmo nas cenas de luta – é possível sentir o peso das espadas e o cansaço de seus participantes. A Inglaterra suja, de aldeões deficientes, de abadias construídas com estruturas frágeis, de castelos sujos e úmidos. A Cruzada de cercos patéticos a castelos frágeis, seus personagens quase como Brancaleones reais. Ao escrever sobre o filme, Roger Ebert encontrou um termo perfeito para essa Inglaterra que o filme de Lester visita: uma nação exausta, governada e habitada por governantes, lordes e aldeões cansados.
O mesmo Ebert aponta o aspecto que também se ressalta para mim: há uma indecisão entre olhar para os personagens com reverência ou com humor, no uso de um tom farsesco que disfarça a decadência de seus personagens com um tom de comédia e ironia. A partir de certo momento, o filme abandona a farsa e a diversão e abraça a possibilidade da tragédia. Melancólico, o filme de Lester não é otimista: para além da tragédia pessoal de seus protagonistas, resta a história não contada do destino de seus personagens secundários, que nos são deixados em uma situação igualmente melancólica.
Mas essa melancolia talvez seja uma das coisas mais tocantes do filme, graças ao par central, em uma química comovente. Connery e Hepburn são ajudados por um terceiro nome, Robert Shaw, que personifica um xerife de Nottingham que em nada lembra versões anteriores, estabelecido aqui como um oponente calmo e sereno, e igualmente respeitoso ao inimigo de velhos tempos. Robin igualmente o admira – e a recíproca de respeito mútuo dos dois oponentes quase os coloca como homens que, em outras circunstâncias, poderiam ter sido extraordinários amigos, mas que a história legou deixá-los em lados opostos.
Um filme sobre o fim da inocências, sobre a impossibilidade do passado e o peso da velhice, o amargor dos arrependimentos, e a calma aceitação de sua condição. Ao jogar a lenda no picadeiro, expõe o conflito entre aquilo que dizem os ritos populares (“Fizeram canções sobre nós, João Pequeno!”) e o que o tempo lhes permite ser. As indecisões do roteiro de Goldman e da direção de Lester não impedem de ser uma obra cativante e tocante ao mito que celebra.