Quase profano, em um nível que eleva o filme a uma obra maravilhosa. Powell e Pressburger extraem uma sexualidade latente ao mesmo tempo que expõem a fragilidade da iconografia religiosa, mas de uma maneira dicotômica: ao mesmo tempo que debocham do excessivo apego católico ao imaginário que vem de seus símbolos (Mr. Dean instala uma estátua religiosa na parede e diz que “agora, sim, o local é um autêntico convento” em um ambiente dominado por imagens hindus) também expõe o quanto a constante exposição à arte “pagã” da antiga “casa de mulheres” sufoca as religiosas em sua missão quase impossível em um convento no Himalaia.
Visualmente o confronto entre as memórias e o rigor do celibato se expressam nos truques de luz: na fusão de um rosto do passado (movido pelo amor) com o rosto do presente (tentando negar o sentimento), ou em um flashback de tempos felizes, antes do celibato, que ao voltar para o presente nos mostra o rosto da freira sorridente, mas que, marcado pela sombra de uma cruz, logo se fecha.
O filme também constrói uma relação opressora entre tudo o que é belo e natural do ser humano – os cantos, o vento, a montanha, o respeito ao sagrado – como algo a diminuir e a oprimir a freira interpretada por Deborah Kerr, uma luta constante contra a constatação de que sua escolha de vida é algo mal resolvido – e Powell e Pressburguer conseguem a proeza de, em determinados elementos da sua encenação, construírem o resumo de vários de seus conflitos, como no homem santo que tanto perturba a jovem madre por, no fundo, representar a sobriedade e tranquilidade em relação ao seu lugar que ela mesma não conseguirá jamais alcançar.
Na equação entre as relações e o dever, entre os pólos mal alinhados da própria missão das freiras – uma mescla entre o religioso e o científico – e o choque desses elementos com a tradição, expressa na figura do jovem general, reside o complemento aos dramas da protagonista. Entre o sacro e o profano, entre o espaço e tudo o que ele desperta – uma sensação em si quase que totalmente pecaminosa, etérea – está o resultado que torna “Narciso Negro” uma obra única.