Em A INFÂNCIA DE IVAN vemos a dualidade dilacerante da guerra em um menino soviético que tem a família morta pelos nazistas e precisa conviver com o pesadelo da segunda guerra em meio às suas lembranças e impossibilidades. O constante choque entre o desejo de maturidade e a oposição com a própria idade e as lembranças da infância. O grande drama de Ivan é apenas poder desejar uma vingança que sua condição etária não permite, e a luta entre o coração e a mente, entre o que deveria ser sua infância e a forma como ele próprio deseja encerrá-la de uma vez por todas, forçosamente.
Tarkovski entrega momentos memoráveis. Em um diálogo com um jovem tenente, Ivan observa gravuras de Dührer – Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse – em um livro apenas de imagens, e interpreta a figura dos cavaleiros da morte e suas vítimas como representações atuais dos seus inimigos.
“Quem é esse?” pergunta, ao ver o rosto de um homem gordo e bem vestido
“Deve ser um doutor ou um escritor alemão” responde o tenente
“Não, eles não têm escritores” ele responde. “Eles queimam livros, eu soube”
Entre o onírico e o nostálgico, Tarkovski pouco faz uso da imagem do inimigo: com exceção de uma breve cena, os nazistas apenas surgem no som e nos diálogos, mas a ideia do inimigo permeia toda a narrativa. Quando Ivan se despede dos oficiais, está se despedindo de nós, o que amplifica a força da cena final, em que a paisagem destruída da prisão alemã é reconstruída mentalmente por nós e pelos soldados, enquanto o som vasculha, com o movimento da câmera, uma IDEIA do que aconteceu. Tarkovski explora às avessas o potencial do cinema de MOSTRAR para ampliar nossa capacidade de IMAGINAR e, assim, tornar mais real a experiência, por mais antagônica que a ideia possa parecer.
Narrativamente, o que para muitos são pontos fracos na história – a presença e a sub-trama envolvendo Masha – só me reforça o sentido de construção da narrativa principal, já que os subterfúgios amorosos envolvendo a personagem desaparecem em todo o contexto assim como a infância de Ivan desaparece do seu cotidiano, existe apenas em memórias. A tudo isso, Tarkovski impôe uma blocagem planejada do final do plano para seu início. Seus longos planos são orgânicos com a movimentação e com o espaço, e como poucos consegue contar uma história no formato 4:3 usando vários elementos em quadro, explorando a profundidade, alternando as visões entre primeiro e segundo plano.
Continua um filme formidável…