O ponto de vista em OS TRÊS MOSQUETEIROS

Uma das coisas mais interessantes de se buscar quando se assiste um filme é entender quem está contando essa história pra gente. A gente fala, no cinema, em narrativa, que não é a história em si, mas COMO o enredo, que efetivamente é o que há no filme, é contado. Se tem uma narrativa, tem quem narre. Sempre. E por narrar a gente não fala de voice over, mas de decisões que nos permitam entender que tipo de narrador há num filme.

E aí um dos aspectos que entra em pauta é o ponto de vista. E o ponto de vista pode ser visto sob dois aspectos, um macro e um micro. Eu não vou dar uma aula sobre narrativa aqui, mas eu quero mostrar como pequenas decisões MICRO no ponto de vista são decisões criativas para motivar outras coisas na audiência.

A gente pode perceber o ponto de vista macro quando observa sob qual ponto de vista aquela história é contada, o que eu sei e o que o protagonista, personagem ou personagens sabem. E num aspecto micro, certas cenas ou sequências podem ter o ponto de vista exacerbado. Não se trata de algo que mude a percepção de quem narra um filme, mas que ajuda a reforçar algumas coisas.

No caso aqui do TRÊS MOSQUETEIROS – DARTAGNAN do Martin Bourboulon, tem relação com identificação. Quando você restringe o conhecimento dos fatos e o que se vê, em determinados momentos, e faz o público compartilhar isso com o personagem, você amplia a identificação com ele e reforça outras coisas, por exemplo, suspense e tensão.

Tem dois momentos bem legais no filme que fazem isso, um por tensão e outro por suspense.

O primeiro é quando a gente tem uma armadilha montada para a rainha em que algo acontece do lado de fora, mas a gente não vê o que acontece.

Quando temos uma restrição do ponto de vista IMAGÉTICO é habitual que entre em ação o ponto de escuta limitado também: enquanto a rainha e o duque de Buckingham são atacados, ficamos com a rainha, apreensiva, e apenas ouvimos o que acontece, com lapsos visuais. Permanecemos com ela o tempo inteiro, e isso ajuda a ampliar nossa aproximação com a personagem, que ainda não é muito conhecida do público. Reforçar nossa empatia com ela e ampliar nossa identificação vai ajudar na narrativa mais adiante, quando o destino dela está em jogo. Nenhuma narrativa funciona se a gente não se importar com o personagem. E no caso dessa cena, a opção por nunca mostrar o que ocorre no lado de fora transforma, naquele momento, na rainha como base do ponto de vista narrativo do filme. Dividimos com ela a tensão do desconhecimento.

O segundo momento já é quando Athos está sendo conduzido à execução e a carroça é atacada. A gente não vê o que acontece, só ouve, e permanece com ele no escuro, sem entender, a todo momento. Da mesma forma que ocorre com a rainha. Porém, aqui, a restrição de ponto de vista é diferente. Não é precusi construir identificação, a gente já possui ela, conhecemos, acompanhamos, nos importamose sabemos da inocência do peresonagem. Aqui, a intenção é o suspense narrativo, e a escolha de um ponto de vista restritivo se dá para nos fazer compartilhar com ele do desconhecimento do que ocorre e quem estaria por trás dos acontecimentos do lado de fora da carroça. O público, aliás, faz seus julgamentos e tem suas desconfianças, mas o filme é quem vai esclarecer isso mais adiante. Fazendo isso, o filme reforça em nós a curiosidade, e nos faz prestar atençao e mantermos nosso foco no processo de descobrir o filme pouco a pouco, o que sempre é bom.

Nesse momento, novos elementos entram no jogo da narrativa e vão fazer as peças andarem, então a intenção de restringir o ponto de vista do espectador tem mais relação com o desenvolvimento da narrativa do que com identificação.

Lembrem, a linguagem ajuda a contar, e como ela é aplicada não é um conjunto de regras, mas decisões criativas. Quanto mais a gente conhecer linguagem, mais a gente consegue entender o que vê e aproveita o que vê.

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