O Campo dos Sonhos (1988)


Hey, dad, you wanna have a catch?”
Existe um campo de beiseball em Dyersville, no estado americano de Iowa. Ele é chamado “Field of Dreams” e o fato de ser um conhecido e procurado ponto turístico pode dar a dimensão de como este pequeno filme de Phil Alden Robinson tornou-se objeto de culto para milhares de pessoas. E mesmo que fale de um esporte tipicamente americano, o baseball, “O Campo dos Sonhos” é um filme que sobrevive apenas em seu entorno, não necessitando, assim, entender o jogo. Mais do que isso, o filme alimenta-se da paixão que o americano tem pelo beiseball – como nosso futebol para o brasileiro – para falar de temas bem mais caros ao público de qualquer lugar do mundo: de sonhos, de pais e de filhos.

“O Campo dos Sonhos” estabelece seu tema, seu ritmo e seu clima logo nos minutos iniciais. Ao som de um dos melhores trabalhos de James Horner, conhecemos a paixão do protagonista, Ray Kinsella, pelo baseball, como ele cresceu ouvindo histórias do esporte contadas pelo seu pai, a relação tumultuada e, de cara, somos jogados com o protagonista em um milharal de sua propriedade, no entardecer, quando uma misteriosa voz sussura: “Construa-o, e ele virá”.

O roteiro do filme de Robinson apoia-se na obra homônima de W.P. Kinsella. Já pelo sobrenome do autor do livro e do personagem principal, percebe-se que “Campo dos Sonhos” refere-se a uma experiência muito pessoal do escritor com questões como o amor pelo esporte e a relação com o pai. É esse o ponto central da história de Kinsella. Ao buscar desvendar o significado da mensagem misteriosa, Ray é levado por um impulso a construir um campo de baseball no milharal, arriscando as finanças da família. A idéia maluca é de que, no campo construído, o lendário jogador de baseball Shoeless Joe Jackson e sete colegas do Chicago White Sox, expulsos da liga em 1919, acusados de venderem resultados ( e todos mortos já ) retornarão para jogar. É através do bem construído roteiro do próprio Robinson capaz de lidar com idéias absolutamente fantásticas e fora da realidade, que o que poderia soar irreal para o público acaba se tornando crível. Não pela possibilidade de fantasmas aparecerem ou das visões, mas graças à empatia de Kevin Costner como Kinsella, em uma de suas melhores interpretações, o público simplesmente aceita a história como um convite à fantasia. Não importa a realidade ou a ficção deste conto fantástico: importa a maneira como somos transportados para esse mundo. E a partir do momento em que um filme, qualquer que seja, consegue levar seu público por esse caminho, eventuais problemas de roteiro ou de lógica acabam ficando em segundo plano. Tudo o que importa é a capacidade dessa história conseguir manter o público cativo até o final. Quando não consegue, tudo desanda. “O Campo dos Sonhos” consegue, e de forma maravilhosa. De quebra, presta bela homenagem a Burt Lancaster em seu último filme.

Para seguir um sonho louco, Ray coloca em jogo o futuro da família e da fazenda. Torna-se alvo de chacota e gozação dos outros habitantes da região, mas graças ao apoio da esposa e da filha, mantém-se firme em um propósito que nem ele sabe direito qual é. Perdido entre a fé e os problemas financeiros, a realizaçao de um sonho impossível – a chegada dos fantasmas dos jogadores mortos do White Sox – não consegue aliviá-lo de um sentimento que nem ele sabe qual é. Uma segunda mensagem, “Alivie Sua Dor” o levará a uma jornada em busca de um recluso escritor dos anos 60, influência de toda uma geração. Levará Ray, também, a uma viagem mágica no limite entre dois mundos. Será a tour de force da vida de vários personagens que se cruzam, todos com pendências que só poderão ser resolvidos em um campo de baseball, perdido em um milharal no interior de Iowa. E mesmo que Ray pense que tudo diga respeito aos personagens que ele encontra pelo caminho, todas as mensagens dirigem-se a alguém mais próximo a ele do que ele pensa.

A frase que abre esse texto foi modificada pelo público. Nas exibições teste, o “dad” não existia na frase. O publico pediu que a menção ao pai fosse incluída. Poucas vezes na história do cinema houve, de forma tão direta, o apelo do público para que ele fosse levado à emoção. É exercício da democracia no diálogo entre platéia e tela batendo contra a máxima que muitos intelectuais têm de que o cinema, ao manipular os sentidos das platéias, torna-se um contrabandista de emoções. Esquecem que é justamente para exercitar essas emoções que o público se refugia no escuro de uma sala de cinema, ou no calor de sua casa. Não à toa o papel de Kinsella chegou a ser oferecido a Tom Hanks. É um papel que cairia bem, décadas atrás, a James Stewart. Requer cumplicidade com o público, e Costner se sai maravilhosamente bem. Não à toa, também, o filme foi indicado ao Oscar de melhor filme. Não é feio render-se á emoção, não importa quantas justificativas técnicas existam para contrabalançar esse fato – o cinema é feito de emoção. E alguns filmes conseguem, não importa quanto passem os anos, manter o mesmo frescor da primeira vez que são vistos. Não se trata de descobrir novas perspectivas, novos segredos, novas mensagens escondidas. As mensagens de Campo dos Sonhos são simples, diretas, ingênuas e às vezes até clichês. Isso, no entanto, jamais impediu o que quer que fosse de ser verdadeiro.

O campo de Dyersville que se tornou ponto turístico é a fazenda que serviu de locação para a casa de Ray e o campo construído por ele. Os proprietários decidiram não modificar nada. Desde 1990, tem atraído milhares de curiosos e turistas, embalados pelo sucesso do filme, mesmo passados quase 20 anos de seu lançamento.

Texto escrito em dezembro de 2007

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *