Como realizar uma análise fílmica

Antes de mais nada, é importante a percepção de como o cinema é uma arte criativa e absurdamente discursiva. O cinema é uma forma de expressão completa porque abrange um pouco de cada uma das demais artes. Riccioto Canudo categorizou como arte em 1912, o que o torna uma das mais recentes formas de arte — a discussão pode abranger o status de arte para, por exemplo, o design de games e outras formas de criação digital.

Cada filme é o resultado de um turbulento processo que envolve o relacionamento direto, e normalmente conflituoso, entre pessoas do ramo artístico e do ramo dos negócios. Mas todo filme, que pese seu valor artístico, poderá agregar em seu resultado final um aglomerado de aspectos e possibilidades retirados das demais artes.

Um filme emprega em sua concepção visual elementos de composição das artes visuais: a linha, as formas, massa, volume e texturas. Manipula o espaço tridimensional e recria nesses termos objetos similares, como na escultura; explora as relações entre luz, sombra e cor como a pintura e a fotografia. Todos esses elementos são agregados na imagem que se move, e pode se mover com ritmo ou como narrativa, como no teatro e na dança, fazendo uso de trilhas próprias ou advindas da música.

Os ritmos complexos desenvolvidos em uma narrativa fílmica se mesclam como numa métrica poética, que, assim como na poesia, faz uso de metáforas, significações e simbologias. O filme comunica suas ideias visualmente e verbalmente, através de gestos, encenação e falas. Assim como na literatura, podemos expandir ou comprimir o espaço e o tempo, contar histórias inéditas ou recontar com nossas palavras histórias acontecidas há muitos séculos. O filme é, assim, um amálgama de tudo o que as demais artes podem oferecer.

Conseguir LER essa mescla de características que fundamentaram ao longo do tempo uma linguagem cinematográfica, repleta de múltiplos significados, no entanto, pressupõe um conhecimento de seus elementos, códigos e processos de construção. É importante lembrar que filmes, séries e afins são resultados de um processo CRIATIVO.

Outro motivo da importância de conhecer os códigos e processos por trás da realização audiovisual está na capacidade de se tornar um intérprete dessa mensagem, e não fazer parte de uma massa que possa ser reconhecida como parte de um analfabetismo visual cada vez maior e mais preocupante. De forma geral, o público espectador pensa que compreende o que vê, apenas porque sabe olhar. Mas, para entender, é preciso ter um pouco de base cultural.

Ludwig Wittgenstein, que se dedicou a estudar campos tão distintos como a linguagem e a matemática, dizia que:

TODO VER É UM VER COMO

…, acentuando que a percepção de uma mensagem artística depende muito da bagagem cultural de cada espectador, ou seja, no nosso caso, de sua capacidade de fazer ligações nas alusões e citações presentes em um filme.

Uma música, expressão ou frase que traga a sensação de PAZ para um espectador pode significar CONFUSÃO para outro, dependendo das suas experiências anteriores. Isso torna, também, a ARTE do filme algo extremamente volátil, bem como diminui o reducionismo de defender um filme como BOM ou RUIM sem algum embasamento que justifique essa posição.

Há inúmeras referências teóricas para quem quer se aprofundar sobre o tema INTERPRETAÇÃO DO FILME. A análise fílmica encontra farto material para leitura e aplicação a partir de conceitos de autores como Jacques Aumont — que conceitua quatro “correntes” de análise fílmica; David Bordwell — que oferece referencial de fácil aplicação ao conceituar significados aparentes (referenciais e explícitos) e ocultos (implícitos e sintomáticos); o semiólogo Christian Metz, que conceitua diferentes códigos específicos, não específicos e semi-específicos; e Francesco Casetti, que sistematiza códigos tecnológicos, visuais, gráficos, sonoros e de montagem.

Tendo em mente a ampla gama de opções teóricas relacionadas à análise fílmica, vamos aplicar, em uma análise que envolve texto fílmico, narrativa e significados visuais e sonoros, um padrão de visualização do filme a partir dos textos de Laurent Jullier e Robert Hunt, em duas obras: LENDO AS IMAGENS DO CINEMA e A LINGUAGEM DO CINEMA.

Para ampliar a aplicação de nossa observação sobre os diferentes níveis do filme, vamos usar conceitos de Dennis Petrie e Joseph Boggs, no livro THE ART OF WATCHING FILMS e de Maria Pramaggiore e Tom Wallis em FILM, A CRITICAL INTRODUCTION.

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